SINDIQUÍMICA
Mercado volta a prever PIB abaixo de 2% neste ano
A nova rodada de revisões vem após o crescimento fraco da atividade econômica em 2019
SÃO PAULO, SP, E RIO DE JANEIRO, RJ (FOLHAPRESS) – O mercado voltou a prever que o PIB (Produto Interno Bruto) crescerá menos de 2% em 2020. A estimativa dos especialistas é de uma alta entre 1,7% e 1,9% neste ano, mas economistas já apontaram 1,5% de alta.
A nova rodada de revisões vem após o crescimento fraco da atividade econômica em 2019 e da maior incerteza que ronda os possíveis efeitos do coronavírus na economia global.
Segundo o IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) divulgou nesta quarta-feira (4), o PIB cresceu 1,1% em 2019, no terceiro ano seguido de um fraco crescimento na economia brasileira. Mesmo antes da divulgação, bancos estrangeiros vinham cortando suas projeções para o PIB.
Em 2017 e 2018, a primeira divulgação do indicador também havia mostrado expansão de 1,1%. Posteriormente, os dados foram revisados para 1,3%. Em 2015 e 2016, houve queda na atividade econômica.
Segundo o economista do Santander Lucas Nobrega, o menor estímulo em setores mais sensíveis à renda soma-se aos impactos da epidemia do coronavírus, declarada como uma emergência da saúde pública de importância internacional em 30 de janeiro de 2020 e que já conta com quase 100 mil casos confirmados ao redor do mundo.
“Entre os impactos do coronavírus, já temos notícias de falta de matéria prima e de um volume menor de comércio com a China. São dados que podem fazer com que o primeiro trimestre deste ano seja frustrante”, afirma.
Para Nobrega, um dos fatores que podem ajudar positivamente o Brasil nos três primeiros meses deste ano é o agronegócio, que representa 35% do PIB e cujas projeções são de safras recordes de grãos.
“A agropecuária deve ter um desempenho muito bom e deve puxar parte da economia desse primeiro trimestre. O Brasil segue em sua trajetória cíclica e seguramente 2020 crescerá mais do que o observado em 2019, a menos que o coronavírus venha em uma magnitude ainda maior do que temos em nosso cenário base”, diz o economista do Santander.
O banco, porém, deve revisar sua projeção de crescimento para a atividade econômica de 2% para 1,7% em 2020. Especificamente nos três primeiros meses do ano, a previsão é de uma alta de 0,2% no PIB.
De acordo com a diretora da área de macroeconomia e análise setorial da Tendências Consultoria, Alessandra Ribeiro, a maior frustração veio dos números fracos dos investimentos no quarto trimestre (a chamada Formação Bruta de Capital Fixo), que caiu 3,3% na comparação trimestral.
Segundo Ribeiro, o componente, que é formado principalmente por construção civil e máquinas e equipamentos, sentiu os impactos de uma demanda externa mais fraca (tanto no ambiente doméstico quanto no cenário internacional) e de um nível de incerteza ainda alto com aprovação das reformas e recuperação do emprego e do consumo no país. No quatro trimestre, o coronavírus ainda não era uma doença conhecida.
“Os resultados do primeiro trimestre já vêm sendo frustrados desde antes da divulgação do PIB [nesta quarta]. O que pesa [na nossa análise] é a suspeita de que existem outros fatores que podem contribuir negativamente, como a dinâmica do mercado de trabalho, os rendimentos fracos e a volta do crescimento da classe D. São fatores que precisam de atenção”, afirma.
A Tendências Consultoria também deve revisar suas projeções de crescimento para o PIB de 2020 dos 2,1% anteriores para algo em torno de 1,7%.
Já para Rodolfo Cabral, economista da 4E Consultoria -que também deve revisar suas projeções de crescimento do PIB para algo abaixo de 2%- pesam mais as incertezas quanto ao ambiente internacional do que os próprios dados da atividade econômica em 2019.
“O viés de baixa na projeção para 2020 já começava a acontecer desde antes, com o desenrolar do coronavírus, principalmente porque os dados vieram apenas um pouco abaixo do esperado. A surpresa negativa foram os investimentos e o fato, agora, é que o cenário internacional pode trazer ainda mais dificuldades para o setor”, afirma Cabral.
Um exemplo disso é que o dólar chegou a renovar máximas históricas na sessão desta quarta-feira (4) e alcançou R$ 4,55.
Para Álvaro Bandeira, economista-chefe da Modalmais, os efeitos negativos do coronavírus ainda devem ser sentidos no Brasil até junho.
“Mas para que o segundo semestre seja de recuperação, é fundamental que o governo consiga aprovar as reformas necessárias. A agenda de privatizações parecer boa, mas para que ela se concretize precisamos de uma dinâmica melhor com o Congresso”, diz.
Em fevereiro, o presidente Jair Bolsonaro já havia reforçado com seu ministro da Economia, Paulo Guedes, a necessidade de que a atividade econômica crescesse no mínimo 2% neste ano. Como resposta, o ministro afirmou que seria possível atingir, ou até superar, o percentual.
O secretário de Política Econômica, Adolfo Sachsida, afirmou nesta quarta, no entanto, que a equipe econômica irá cortar a projeção de crescimento do PIB deste ano em função do impacto do coronavírus sobre a atividade, mas que a projeção não ficará abaixo de 2% -ante a expectativa de 2,4% trazida na última modelagem do governo.
“Não adianta a gente ficar dourando a pílula”, disse ele. “Infelizmente vai ter efeito negativo no PIB brasileiro”, completou.
O economista Marcos Ross, da XP, destaca os dados da construção do quarto trimestre como outro aspecto negativo no PIB de 2019. “É um setor que vem passando por uma recuperação gradual e heterogênea, crescendo mais em São Paulo do que em outros lugares. A pergunta que fica é se vai conseguir mostrar um bom desempenho em 2020.
Ross afirma também que a queda abrupta na produção de máquinas e equipamentos e o crescimento das despesas do governo no último trimestre do ano passado mostram uma pausa técnica no movimento de substituição do setor público pelo privado, que vinha sendo verificado nos trimestres anteriores.
Diz ainda que o resultado de 2019 garante para 2020 um crescimento de pelo menos 0,8% (efeito do carregamento estatístico) e que o número é compatível com um crescimento de 2,2%, 2,3% neste ano. As questões relacionadas ao coronavírus, no entanto, tornam significativo o risco de um desempenho abaixo desses números, inclusive com possibilidade de um resultado inferior a 2%.
Sobre a divulgação do PIB, afirmou que não houve grandes surpresas e que ela não muda a percepção do mercado, nem não altera as expectativas para 2020. “Houve uma frustração no último trimestre, conforme já mostravam os indicadores antecedentes.”
O economista do Itaú Unibanco Luka Barbosa afirma que a queda do investimento no último trimestre já era esperada e não altera muito as expectativas para este ano. A instituição deve revisar a projeção de crescimento de 2,2% para baixo, mas o número ainda não está fechado.
Ele afirma que o efeito estatístico de 0,8% para 2020 é o dobro do verificado no final de 2018 e que os crescimentos em torno de 0,5% nos três últimos trimestres de 2019 mostram uma economia que cresce a uma taxa anualizada de 2%.
A instituição estima um resultado melhor para as exportações neste ano, depois da queda verificada em 2019, mas esse resultado dependerá dos efeitos causados pelo coronavírus na economia mundial. Nos últimos dois anos, segundo o IBGE, a diferença entre exportações e importações retirou 0,5 ponto percentual do PIB brasileiro.
“O risco é a economia global desacelerar mais do que a gente tem na conta, e a exportação cair mais”, afirma Barbosa.
O presidente do Conselho Federal de Economia, Antonio Corrêa de Lacerda, afirma que dificilmente o resultado de 2020 irá superar o patamar máximo dos três anos anteriores, de 1,3%.
“Não dá para falar em 2%. Uma estimativa mais realista é um crescimento não muito diferente do que tivemos no ano passado”, afirmou.
“Estamos patinando em um nível muito limitado. A indústria de transformação cresceu apenas 0,1% em 2019. No setor em que há maior capacidade de geração de valor agregado, a capacidade de crescimento é muito limitada.”
Para a economista Margarida Gutierrez, da Coppead/UFRJ, os dados divulgados pelo IBGE indicam um crescimento “mais saudável” da economia brasileira, por ser baseado na demanda privada, com menor dependência do poder público.
Ela ressalta que o desempenho foi puxado pelo consumo das famílias e pelo investimento, enquanto o setor público contribuiu negativamente. “O fato é que os números nos mostram uma visão diferente de crescimento”, comentou.
Na sua visão, esse novo contexto indica uma recuperação mais lenta, mas com maior qualidade. E, no caso de 2019, prejudicado ainda pela situação internacional, que prejudicou a indústria de transformação exportadora, principalmente para a Argentina.
“[A taxa] poderia ser mais alta? Sim. Mas o contexto internacional é muito ruim”, comentou. Gutierrez evitou fazer projeções para 2020, alegando que ainda não é possível medir os impactos do surto de coronavírus.
Ela frisou, porém, que a média de alta do PIB dos últimos três trimestres, se anualizada, garantiria um crescimento de 2,2%.