SINDIQUÍMICA

Bolsonaro discursa hoje na ONU com foco nas ações em defesa do meio ambiente

Presidente Bolsonaro defenderá na Assembleia Geral das Nações Unidas as ações de seu governo na preservação do patrimônio natural brasileiro. Enquanto ministros reiteram interesses comerciais nas críticas, especialistas alertam para os riscos da estratégia negacionista

Mesmo com o número de incêndios pelas florestas do Brasil em 2020 aproximando-se de 147 mil — o maior índice para o período entre janeiro e setembro dos últimos 10 anos —, o presidente Jair Bolsonaro deve abrir os debates da 75ª Assembleia Geral da Organização das Nações Unidas (ONU), às 10h de hoje, afirmando que o seu governo tem se comprometido com a questão ambiental no país. Ele rebaterá as críticas de lideranças políticas e instituições internacionais sobre a falta de empenho do Palácio do Planalto no combate aos incêndios florestais.

Apesar da devastação nos biomas, sobretudo na Amazônia e no Pantanal, Bolsonaro dirá aos demais chefes de Estado que o governo brasileiro tem preservado as áreas naturais. Argumentará, ainda, que os incêndios são normais e que o número de focos de calor registrado neste ano nas florestas brasileiras não está tão elevado como a mídia tem divulgado. No discurso, o presidente também deve direcionar palavras a organizações não-governamentais e reclamar da “perseguição injusta” que ele tem sofrido por diversas ONGs ambientalistas.

Bolsonaro se baseou nesses argumentos porque, no entendimento da sua equipe, precisará dar uma resposta à pressão da comunidade internacional e reparar a imagem do Brasil no aspecto ambiental. Ontem, ao conversar com jornalistas no Palácio do Planalto, o vice-presidente Hamilton Mourão declarou que Bolsonaro vai tratar dos esforços do governo para mitigar a degradação das florestas nacionais. “Vai focar na Amazônia. Vai mostrar, em princípio, aquilo que nós estamos fazendo: a criação do Conselho (Nacional da Amazônia Legal), a operação Verde Brasil II, os esforços do governo no sentido de combater as ilegalidades. Não é simples, não é fácil, e elas continuam a acontecer, infelizmente”, disse.

Por mais que os números atuais joguem contra Bolsonaro, aliados do mandatário defendem que o governo não pode ceder aos “interesses” de outras nações. “Alardeiam publicamente que nada foi feito pelo governo federal. Esse é um dos pontos focais desse problema, não podemos admitir e incentivar que nações, entidades e personalidades estrangeiras, sem passado que lhes dê autoridade moral para nos criticar, tenham sucesso em seu objetivo principal, obviamente oculto mas evidente, que é prejudicar o Brasil e derrubar o governo Bolsonaro”, disse ontem o ministro do Gabinete de Segurança Institucional (GSI), Augusto Heleno, em audiência no Supremo Tribunal Federal (STF) sobre a política ambiental brasileira.

Segundo Heleno, “o assunto é altamente polêmico”, mas “não há comprovação científica de que o aumento de incêndio nas florestas primárias decorra de inação do governo federal”. “Na verdade, elas têm a ver com fenômenos naturais, cuja ação humana é incapaz de impedir. As ONGs, que têm por trás potências estrangeiras para nos apresentarem ao mundo como vilões do desmatamento e do aquecimento do planeta, usam argumentos falsos, números fabricados e manipulados, e acusações infundadas para prejudicar o Brasil”, acusou.

Imagem negativa
A visão do governo, claro, difere frontalmente de outras análises. Parlamentares e analistas políticos acreditam que o Brasil pode ficar com uma imagem ainda mais prejudicada caso Bolsonaro tente minimizar os impactos dos incêndios florestais. Para a senadora Eliziane Gama (Cidadania-MA), que integra a Comissão de Relações Exteriores (CRE) do Senado, o chefe do Executivo “não reconhece que o governo não tem feito o mínimo, o elementar, com a causa ambiental brasileira”.

“A gente torce para que ele proteja a imagem brasileira, mas que a sua fala seja realista e mantenha o compromisso com causas fundamentais. Mas, considerando o histórico do presidente, entendemos que ele pode vir com mais uma fala negacionista. Essa falta de reconhecimento é a reafirmação da falta de compromisso. Os olhares internacionais estão voltados para o Brasil. Estamos vivendo um momento muito grave na parte ambiental e tendo uma repercussão enorme pelas queimadas e pelo desmatamento”, alertou Eliziane Gama.

Carlos Rittl, ambientalista e pesquisador visitante do Instituto de Estudos Avançados de Sustentabilidade de Potsdam, na Alemanha, comentou que Bolsonaro deveria abrir mão do discurso negacionista e mostrar programas efetivos no combate às queimadas no Pantanal e na Amazônia. “O presidente briga com a ciência, os satélites, os ambientalistas, os indígenas e com os dados. Ele tende a fazer isso novamente em seu discurso. Só não enfrenta, de fato, o desmatamento e os crimes ambientais. Enquanto isso, madeireiros ilegais, grileiros e criminosos ambientais continuam a lucrar com a devastação, e todos nós pagamos o preço alto, pela poluição do ar, o clima desequilibrado e a imagem do país no nível mais baixo possível. Com os desmontes e discursos, Bolsonaro tornou o Brasil um pária global”, criticou.

Sessão virtual

Por causa da pandemia da covid-19, a Assembleia Geral da ONU deste ano acontecerá virtualmente. Bolsonaro e outros líderes internacionais enviaram declarações gravadas. O tema da 75ª edição do evento é: “O futuro que queremos, as Nações Unidas que precisamos: reafirmar nosso compromisso coletivo com o multilateralismo — enfrentando a covid-19 por meio de uma ação multilateral efetiva”. No discurso, o presidente brasileiro também deve destacar que o país teria sido um dos melhores no enfrentamento à doença, apesar dos quase 138 mil mortos e dos cerca de 4,6 milhões de infectados. Ele ressaltará as ações realizadas para liberar o auxílio emergencial e reduzir os impactos econômicos da pandemia no Brasil.

Relatório pedirá investigação

Durante a Assembleia Geral da ONU deste ano, será apresentado um relatório da instituição que sugere uma investigação internacional contra o governo do presidente Jair Bolsonaro por as políticas brasileiras referentes ao meio ambiente e aos direitos humanos. As informações foram publicadas pelo portal UOL. Se aprovada, a investigação pode prejudicar as relações diplomáticas do Brasil e a captação de recursos para o fortalecimento das políticas de combate ao desmatamento e conservação ambiental. O documento foi elaborado pelo relator especial da ONU sobre direitos humanos e substâncias e resíduos tóxicos, Baskut Tuncak, que vai pedir ao Conselho de Direitos Humanos para aprovar a abertura de um inquérito contra o atual presidente brasileiro. A embaixadora do Brasil na ONU, Maria Nazareth Farani Azevedo, criticou a iniciativa. “O Brasil não vai se submeter à tutela politizada, disfarçada de um mandato técnico”, afirmou.

Nota da onça

 (crédito: do Greenpeace.  Reprodução/Greenpeace)
crédito: do Greenpeace. Reprodução/Greenpeace

Após o lançamento da nota de R$ 200 pelo governo, foi a vez do GreenPeace lançar uma nova moeda. Em protesto virtual, a organização criou uma cédula de R$ 2,3 milhões representando o “real valor do descaso com o meio ambiente”. A quantia é uma referência à área consumida, em hectares, pelo fogo no local até o momento. O animal escolhido para representar a cédula foi uma onça-pintada que teve as patas atingidas com queimaduras de segundo grau em um dos locais de incêndio. Ela foi resgatada do Pantanal, no Parque Estadual Encontro das Águas e encaminhada para a ONG Nex No Extinction, em Corumbá (GO). Na nota, a onça aparece caída e com as patas enfaixadas. Uma imagem de árvores e matas queimando também foi reproduzida. Do lado oposto, a efígie da República é representada chamuscada pela fuligem no entorno da máscara, em referência à pandemia de coronavírus. A hashtag #NotadoPantanal também foi lançada para engajamento de internautas. “É devastador observar o quanto o Brasil está em chamas e vamos pagar uma conta muito alta por isso. Precisamos urgentemente de medidas efetivas de curto, médio e longo prazo para combater e prevenir o desmatamento e as queimadas. Não são apenas nossos biomas queimando, mas também a nossa economia e o nosso futuro”, afirma Cristiane Mazzetti, porta-voz de florestas.

Fonte: Correio Braziliense